“Agnaldo Timóteo: O silêncio do meu grito”, por Francisco Vieira

Oh! Que tristeza danada.

Quão desagradável a notícia do falecimento do cantor Agnaldo Timóteo, vítima da Covid.

Inflexível, a doença não cedeu a súplica não se vá, nem o apelo, outro dia sim, hoje não. Também não permitiu dizer no último telefonema que está partindo, agora, para não mais voltar. Que pena tudo terminar da maneira que acabou.

É difícil conter as emoções. Não basta um simplesmente adeus na noite em que se vai um grande interprete, deixando nossa música na orfandade.

Se o espinho pra furar traz a ponta, Agnaldo Timóteo, ainda pequeno, manifestou interesse pela música se apresentando em circos e emissoras de rádio. Natural de Caratinga – MG, deixou a terra natal aos dezesseis anos em busca de oportunidades, chegando até o Rio de Janeiro, maior vitrine da música no país. Na Cidade Maravilhosa trabalhou de motorista para Ângela Maria que lhe apadrinhou na gravadora, iniciando assim uma carreira artística de sucesso.

Além de cantor, mecânico, motorista e compositor foi também político. Contudo, prefiro vê-lo embalando histórias românticas a partir do Meu primeiro amor que cedo chegou ao fim, exaltando o amor livre, o proibido e à moda antiga, cantar o amor inseparável e sem juízo.

Enfim, exaltou o incomparável amor de mãe e honra a Nossa Senhora. Como numa prece melódica ressaltou a Onipotência Divina dando-lhe luz aos olhos, o perfume das rosas, o ouro do sol, a prata do luar e sua bela voz.

Agnaldo deixou-nos como num arrebatamento. Se possível, certamente diria: eu sou aquele que se chama saudade. Literalmente o silêncio não cala seu grito que é meu e nosso, pois canta o sentimento de muitos. Sua voz ressoará vibrante cantando a dor de cotovelo, ressuscitando lembranças e embalando paixões. Sua aura artística que inclui versatilidade e acentuada potência vocal fizeram do artista um dos mais queridos cantores do Brasil.

Numa apologia ao romantismo, recordo exultante os anos sessenta, ainda presentes em minha mente septuagenária. Seu repertório me recorda a adolescência, doce fase da vida, que gostaria reviver a ingenuidade, os sonhos impossíveis e as grandes aventuras da época.

O tempo não retroage, mas a memória guarda momentos que jamais se apagarão. A propósito, a música A Noiva me remete ao passado para lembrar meu casamento.

Daria tudo para viver novamente a mesma emoção e sentir quão maravilhoso receber Lenice, outra vez branca e radiante para unir nossos corações. Afinal, são 45 anos de união compartilhada que de tão presentes parece até que foi ontem.

Além da música o cantor nutria grande paixão pelo Botafogo, seu clube do coração, mantendo forte ligação com dirigentes e jogadores. Mesmo polêmico e de personalidade forte, tinha um coração bondoso. Sem papas na língua, não omitia a verdade, mesmo pagando caro por isso.

Entre suas boas obras, destaca-se a ação de arcar com todas as despesas do velório de Mané Garrincha, inclusive a lápide do jogador com a frase: “ Aqui descansa em paz aquele que foi a alegria do povo. ”

O cantor conquistou o Brasil com sua voz potente cantando o amor e se consolidou no cenário musical como um dos principais cancioneiros do país. Portanto, assim se justifica a homenagem prestada ao cantor pela Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro que dá seu nome ao calçadão do Estádio Nilton Santos, outro grande ídolo do Glorioso.

Agnaldo Timóteo é mais uma estrela de primeira grandeza que parte deixando saudades e vai unir-se a outras tantas na constelação celestial. Poucos estão entre nós, assim mesmo sem o espaço merecido, vítimas da insanidade midiática que valoriza os lucros em detrimento da qualidade musical.

O esmerado zelo com as antigas canções é devorado por músicas – se é que posso assim chama-las – supérfluas e insanas. Assim, nossa música está caindo no ostracismo, salvo pela velha guarda e reduzido número de jovens, tal como minha filha que conviveu na tenra idade ouvindo doces melodias, aprendendo a gostar e distinguir o que temos de melhor.

O artista se eterniza na mente e no coração das pessoas. Como o herói, o poeta e o escultor não morrem, também o cantor se imortaliza pelo canto que enleva. São diferentes, especiais.

Agnaldo partiu sem sequer dizer adeus. Também não diria a quem sempre esteve e estará presente em nossas lembranças até mesmo no silêncio do seu grito.

Pombal, 15 de abril de 2021.

Francisco Vieira – Professor

FOTO AGNALDO: Divulgação