“Dia de São José e os profetas do Sertão”, por Francisco Vieira

“Apela pra março/ Que é o mês preferido/ Do santo querido/ Senhor São José…” Patativa do Assaré.

Assim canta Luiz Gonzaga na música Triste Partida retratando o nordestino, povo sofrido pela seca. Numa súplica poética, o autor reúne dor e sofrimento, fé e devoção, além de perseverança e coragem, marcas evidentes que ratificam Euclides da Cunha na exaltação de que o sertanejo é mesmo um forte.

Mal o ano se finda o sertanejo se volta para outro que vem cheio de dúvidas e incertezas, sobretudo esperança. Sua inabalável fé não permite curvar-se ante as dificuldades, nem mesmo depois de seguidos anos de estiagem.

Com enxada na mão e Deus no coração, permanece otimista. Nada inibe sua convicção, agindo como um cientista leigo e devoto fanático. Enquanto a ciência prediz os fenômenos, a fé transcende o imaginário e o impossível, somente visíveis aos olhos da fé.

Ciência e fé se reúnem numa prática recorrente, envolvendo a fauna, a flora, os astros e outros aspectos naturais com os mesmos objetivos. Tudo é válido. De um lado a meteorologia se fundamenta em cálculos físicos e matemáticos, enquanto o sertanejo apela para a devoção a São José, protetor dos trabalhadores e nos sinais da natureza.

A propósito, em 19 de março, a fé católica celebra o Dia de São José, santo de valor imensurável, como patrono da igreja e protetor contra a seca, segundo a crença popular. A ele o sertanejo credita toda confiança considerando decisiva sua intercessão.

A ciência é irredutível afirmando coincidir a data com o equinócio de outono, fenômeno que influencia a incidência de chuvas, onde os raios da Linha do Equador atraem ventos úmidos, trazendo água em abundância para a região. Eis aí a explicação que motiva o sertanejo considerar decisivo o Dia de São José para o inverno.

Contudo, o homem faz valer sua crença com base na natureza, tempo, animais, até mesmo em superstições. Tudo vale a pena, procurando o que pode até nem encontrar. Tudo vale a partir da experiência nas pedras de sal e na barra de natal que as vezes não vem.

Obstinado na devoção e experiência, o sertanejo aposta num bom inverno, quando os ventos sopram de norte a sul ou do Aracati, as cacimbas sobem o nível da água entre dezembro e janeiro e a chuva molha a fogueira de São João. A esperança aumenta quando as formigas limpam o formigueiro e as lagartas se deslocam em grupo.

A passarada também se manifesta voando baixo, enquanto o quero-quero, como num sexto sentido, migra para lugares elevados e secos. Aí ouve-se o demorado canto da saracura e a imponência sonora da seriema, anunciando o inverno que está por vir.

E o que dizer de João de Barro. Como um arquiteto, constrói sua “casa” com a entrada voltada para o lado contrário da chuva. Também o cantar apressado dos grilos, o coaxar dos sapos, rãs e pererecas anunciam água no sertão. Até mesmo a cigarra anuncia em silêncio e não se perturba ante o canto agorento da acauã, como um presságio, traduzindo seca, maldição e morte.

O que não falta é indicativo de chuva na natureza. Luiz Gonzaga tinha razão quando cantando afirmou: “mandacaru quando fulora na seca é sinal que a chuva chega no sertão”, prova de que as plantas têm respostas para os profetas populares.

Enfim, tudo se confirma. Quer seja pela firmeza da ciência ou força da devoção as chuvas chegam, renovando a esperança, prenúncio de inverno e fartura, sinônimo de felicidade.

Felicidade no sertão é ventura e abundância. É sentir o ronco do trovão e o brilho do relâmpago; ver açudes, rios e riachos transbordando e sentir o prazer da colheita de frutos semeados com sacrifício e amor. Quão maravilhoso é contemplar o cenário antes seco e desolado, agora, dominado pelo verde das caatingas.

Enfim, felicidade é erguer mãos e olhos para o horizonte em reverência a Deus pelo benefício da chuva.

Em síntese eis o meu tributo a São José e os Profetas do Sertão.

Pombal, 06 de abril de 2021.

Professor Francisco Vieira