Em um dos mais diretos ataques contra seu pontificado, o papa Francisco foi acusado por um arcebispo de ter acobertado acusações de abuso sexual atribuídas a um ex-cardeal norte-americano de 2013 para cá.
O autor da acusação, o italiano Carlo Maria Viganò, pediu a renúncia do pontífice.
A polêmica ocorreu no último dia da visita do papa à Irlanda, país de maioria católica no qual a igreja vive uma grave crise ética por diversas acusações de abusos por parte de religiosos.
No sábado (25), Francisco havia pedido perdão por crimes passados da igreja. Neste domingo (26), comandou uma missa que o Vaticano disse ter 300 mil fiéis, enquanto houve protestos contra a igreja devido a abusos e também a um caso envolvendo mortes de bebês num orfanato.
No avião de volta à Itália, o papa disse que não “falaria uma palavra” sobre a acusação de Viganò, da qual tinha conhecimento. Ela “fala por si só”, disse, insinuando que ela se insere num contexto de ataque de conservadores como Viganò contra seu papado dito progressista.
O italiano falou por meio de uma carta de 11 páginas, divulgada neste domingo. Ele foi embaixador da Santa Sé nos Estados Unidos de 2011 até atingir 75 anos e se aposentar, em 2016.
No texto, ele relata que o então cardeal Theodore McCarrick havia sido denunciado por abusos nos anos 2000. O papa Bento 16 destituiu o religioso de suas funções e ordenou que ele vivesse em clausura, afirma o arcebispo, sem apresentar documentos.
Viganò diz então que, em 2013, conversou sobre o caso com Francisco a pedido do papa. “Santo Padre, eu não sei se você conhece o cardeal McCarrick, mas se você perguntar à Congregação dos Bispos, há um dossiê tão espantoso sobre ele. Ele corrompeu gerações de seminaristas e padres e o papa Bento ordenou que ele se retirasse para uma vida de oração e penitência.”
Depois da reunião, Viganò afirmou que Francisco “continuou a acobertar” McCarrick e “não apenas ignorou as sanções do papa Bento” mas também o tornou “um conselheiro próximo”, responsável pela indicação de bispos nos EUA.
McCarrick fez viagens em nome da igreja e participou das negociações para o restabelecimento das relações entre os EUA e Cuba, em 2014. “Ele [o papa] sabia, pelo menos desde 23 de junho de 2013, que McCarrick era um predador”, escreveu.
A acusação é inédita: até aqui, João Paulo 2º e Bento 16 haviam sido acusados de negligência no trato de denúncias de abuso sexual, mas não haviam sido apontados diretamente por uma autoridade eclesiástica como responsáveis por acobertar casos.
Segundo o arcebispo, sua consciência o ordenou a revelar o caso. “A corrupção alcançou o topo da hierarquia da igreja”, escreveu.
Viganò não apresenta provas. Já a culpa de McCarrick está estabelecida em pelo menos um caso de abuso sexual de menor apurado pela Arquidiocese de Nova York –há ao menos outros três episódios sendo investigados.
ACUSAÇÃO DE COMPLÔ:
A acusação pode se tratar de um novo complô dos ultraconservadores, de acordo com alguns observadores.
“Não há dúvida: este é um ataque coordenado visando o papa Francisco”, indicou o site do National Catholic Reporter, um semanário americano progressista.
“Um golpe está em andamento e se os bispos americanos não defenderem o Santo Padre nas próximas vinte e quatro horas, poderemos nos dirigir para um cisma nos Estados Unidos”, adverte o colunista Michael Sean Winters.
“Os inimigos de Francisco declararam guerra”, analisa.
FONTE: Folha de São Paulo e Istoé