Na Caatinga, no período seco, o sol faz a luz tremer. As árvores se desfolham, os arbustos secam, mas a vida pulsa embaixo da terra rachada, à espera de chuva.
O juazeiro, com sua copa larga de folhas verdes permanentes, oferece sombra e frutos doces a quem por ali passa.
O mandacaru ergue seus braços com longas farpas, como sentinela do sertão. Em lampejos, no silêncio da noite, ele surpreende e floresce — uma flor branca, com tons de rosa ou amarelo pálido. De vida curta, muda a paisagem cinzenta e anuncia que ali, onde tudo parece pálido, protegido por espinhos, há beleza. As flores caem, mas deixam um rastro de esperança.
Entre pedras quentes, marmeleiros formam moitas. Guardam água, perdem folhas, mas não a coragem. Enquanto esperam a chuva, se antecipam — brotam, verdejam e até florescem. Suas folhas e galhos exalam um perfume lenhoso, uma mistura de terra molhada e graveto fresco, promessa de vida renovada.
A catingueira é força que não se deixa dobrar. Em meio à aridez implacável, ergue seus galhos com resiliência silenciosa. Pequenas folhas verdes e discretas, protegem seu vigor. E, quando o tempo certo chega, cachos grandes de flores amarelas explodem raios de sol condensados que sinalizam vida em plenitude.
Viver na Caatinga é ter a coragem e a resiliência da flora e da fauna. A jandaíra, pequena abelha sem ferrão — mas gigante em resistência — espalha vida ao ecossistema.
Ela é símbolo da continuidade do bioma Caatinga, exclusivo do nordeste brasileiro e ponte viva entre o ambiente e quem o habita. Conhece os tempos secos e da florada. Sobrevive à seca e com o planejamento que lhe é próprio, guarda o néctar, escolhe bem os caminhos. Voa em silêncio, pousa com leveza, e faz o milagre da polinização acontecer mesmo quando tudo parece estéril.
É assim também com pessoas dedicadas, curiosas, estudiosas — elas também florescem e dão exemplos.
Candinha, a menina que cresceu na roça, onde fez o seu letramento e vivenciou esse cenário, nele encontrou forças para avançar nos estudos, se formar e tornar-se professora de matemática, inspirada no primo — e também seu professor — Espedito Barbosa de Almeida, que já se foi, mas deixou lições a ela e a milhares de alunos em Pombal.
Habilidosa com os números, sabia buscar caminhos, compartilhar dúvidas, multiplicar descobertas. Um dia, sentiu vontade de seguir adiante. Fazer mestrado. Procurou um orientador. Bateu várias portas até que alguém disse: “Fale com o professor de entomologia: Patrício Borges Maracajá”. Ele a recebeu, convidou-a para uma experiência: assistir algumas aulas.
Encantada com o tema da aula foi caloura por um dia e a matemática virou ponte para o mundo das abelhas. Em poucos dias com o professor e sua equipe visitaram criadores de jandaíra em cidades próximas do Rio Grande do Norte e Paraíba. Ali, entre caixas de madeira, zumbidos e o perfume do mel recém-coletado, algo antigo despertou. Uma memória invadiu seu peito: viu a imagem do pai, já falecido.
Homem simples da roça, que saía para o mato em busca de colmeias escondidas nos troncos das árvores — como a ilustre catingueira. Voltava suado, mãos arranhadas, mas com o rosto iluminado. Trazia o mel como algo sagrado. Dava a ela, ainda menina, o primeiro pedaço de favo. Naquele instante, o destino decidiu seu tema de estudo. Mais que uma pesquisa sobre abelhas — ela queria criar, cuidar, colher, aprender com elas.
A lógica virou traço de conexão com o voo das abelhas. Fez um projeto para a escola onde lecionava, comprou dez colônias de jandaíra. Criou seu meliponário no quintal de casa e mergulhou nesse universo com a curiosidade de uma pesquisadora e a disciplina de uma educadora e formadora de centenas de jovens. Ninguém imaginava que a mulher dos números, das lousas cheias de cálculos, incógnitas e equações, encontraria um novo rumo.
A educadora avançou, fez o doutorado, e quando uma abelha com ferrão se instalou perto do seu meliponário, não hesitou: acolheu, aprendeu, e fundou o apiário 500 metros do seu lugar de origem, a poucos minutos de Pombal — um Oásis, a Casa de Agu, avô materno, o fundador.
Cuida das abelhas como uma herança invisível — feita de afeto, memória e terra. Talvez nem perceba, mas ao ensinar com doçura e rigor, ela também poliniza o mundo. Divide os dias entre colmeias, flores, aulas de matemática sob demanda e palestras sobre a cultura do mel. A menina aplicada tornou-se referência: soube transformar esforço em criação, instinto em estratégia. Sabe esperar a hora certa da colheita.
Como a Caatinga, ela resiste. Como a jandaíra, transforma. Como o mel, deixa um rastro doce por onde passa. Do giz ao mel, percorreu um caminho feito de coragem, saudade e transformação.
Julho é tempo de mudanças sutis no verde da paisagem e férias nas escolas. Também é mês de muitos aniversários.
Pombal — terra de histórias, de gente empreendedora, de raízes profundas como o juazeiro, faz aniversário no dia 27. E, para fechar o mês com doçura e brilho, Maria Cândida de Almeida Mariz Dantas, nossa Candinha, aniversaria em 31 de julho.
Parabéns, Pombal!
Parabéns, Candinha!
Que a coragem de vocês siga inspirando novos voos, novas colheitas — e muitos recomeços.
Elisa Mariz
Pesquisadora envelhecimento ativo, professora, escritora.
Contato: @elisamarizsp
